A música e as palavras fazem parte de mim.
Quero ouvir, dividir e respirar música...
e as palavras que dizem, quero-as como pinceladas alegres ou amargas, luminosas ou escuras, quero-as verdadeiras...
A pedra de pele lisinha e de formas arredondadas atingiu a sua unicidade, perfeita e bela ...
Quantos tombos?
Quantas vezes foi arrastada sem piedade?
Quanta areia a esfregou e foi necessária para a burilar?
Durante eras ela se foi aperfeiçoando, perdendo pedaços de si no ímpeto das ondas, sofrendo menos...
As arestas que marcavam sua personalidade foram se partindo e o processo ininterrupto sempre a rolar
A dureza com que se movia se transformou depois em movimento leve, letivando por dentro das águas do mar quase via e sentia sua erudição dançar , o seu peso a rolar e a dor do caminho longo explodindo em flores coloridas...
As cores do desapego da dor, deitando fora todo o lixo espiritual...
Como essa pedra é a alma humana, se ela assim se deixar chicotear o cerrar dos dentes ficará de pedra, se ela de tropeço em tropeço ferir os joelhos em chagas contínuas, se ela gritar e doer , uma vez, muitas vezes, muitérrimas vezes....as feridas sararão e o eco dos gritos esmorecerá, silenciará.
Redonda e lisa, sem marcas, unicidade perfeita, fechada e sólida de si segura, pronta para o arremesso!!
O exterior e o interior não interessam mais!!
O ontem e o de há anos correndo atrás do agora e do futuro, parando e sossegando
O doce coração oscilando na balança, o amor e a paz mantendo o mesmo peso, não mais um prato desequilibrará as certezas tornando-as incertezas, não mais...
Let dance, get lucky and live, smile and go thru, live a love story or a happy story !
Abdicar por amor, frase que contém o conceito mais generoso, diria, a dádiva maior feita de todas lágrimas...
A consciência dorida da impossibilidade de se ter e o ter de desistir, sem querer, do que mais se quer ...
A liberdade de sentir corta como uma faca de dois gumes, o teu sentir não pode exigir o sentir do outro e são duas liberdades que se anulam na não realização do que se anseia...
Abdicar é foda, abdicar é aceitar que uma parte de ti seja decepada...
"Por amor mato o pedaço mais sensível e pulsante do meu ser"....
"Se um não quer dois não fazem", menos sofrido quando assim é, o desamor de um dos lados é uma causa perdida ....
Abdicar por amor em cima do amor maior, o amor recíproco, esse é o abdicar real, é o céu ao teu alcance e as razões do acaso de traindo, te obstruindo o caminho...
Abdicar por amor é perceber que mais forte que o amor que queres receber é o amor que terás de dar para nada receberes...
Abdicar por amor é deixar partir sem esboçar nenhum gesto para que não parta , é deixar ir...
Quem se lembra do filme de culto de 1978, Midnight Express?
A história do jovem turista que é apanhado no momento do embarque em Istambul com algumas barras de haxixe e é fechado numa cadeia infernal, prisão que o leva quase à loucura....
Já preso há muitos anos é transferido para uma cadeia - hospício e ai a loucura fica por um fio...
A dada altura e contrariando a rotina diária de todos os loucos, a de caminharem ininterruptamente em círculos e num último rasgo de lucidez, o jovem endoidecido vira-se e começa a caminhar em sentido contrário , contra a turba de loucos agitados pela quebra daquele ritual.
A confusão que se gerou salva-o, desperta do pesadelo em que aquela provação o fizera cair, reage e das profundezas escuras do desespero, num último sopro, puro instinto de sobrevivência, acorda do coma, regressa à vida !!
A lembrança deste filme é como um grito de basta, ele percebe que mais uma vez tem de encerrar outro capítulo da sua vida.
Tem que ir por caminhos diferentes, mudar as regras, contrariar o estabelecido, buscar outras energias e não perder mais tempo, lá fora a vida urge.
Perceber o que nos faz mal é demorado mas sempre chega... Ele não sabe o que vai fazer, não tem planos, mas vai sair por aí e algo acontecerá , seja o que for será melhor que a rotina, essa rotina vegetal em que vivia pensando, amorfo, reflectindo, isolado do mundo e da vida...
O sol brilha e as crianças brincam, as pessoas falam alto, ouvem-se gargalhadas, tantas vidas e tantos problemas, então para quê lamentar ?
Cântico negro
"Vem por aqui!" — dizem-me alguns com os olhos doces Estendendo-me os braços, e seguros De que seria bom que eu os ouvisse Quando me dizem: "vem por aqui!" Eu olho-os com olhos lassos, (Há, nos olhos meus, ironias e cansaços) E cruzo os braços, E nunca vou por ali... A minha glória é esta: Criar desumanidades! Não acompanhar ninguém. — Que eu vivo com o mesmo sem-vontade Com que rasguei o ventre à minha mãe Não, não vou por aí! Só vou por onde Me levam meus próprios passos... Se ao que busco saber nenhum de vós responde Por que me repetis: "vem por aqui!"? Prefiro escorregar nos becos lamacentos, Redemoinhar aos ventos, Como farrapos, arrastar os pés sangrentos, A ir por aí... Se vim ao mundo, foi Só para desflorar florestas virgens, E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada! O mais que faço não vale nada. Como, pois, sereis vós Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem Para eu derrubar os meus obstáculos?... Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós, E vós amais o que é fácil! Eu amo o Longe e a Miragem, Amo os abismos, as torrentes, os desertos... Ide! Tendes estradas, Tendes jardins, tendes canteiros, Tendes pátria, tendes tetos, E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios... Eu tenho a minha Loucura ! Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura, E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios... Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém! Todos tiveram pai, todos tiveram mãe; Mas eu, que nunca principio nem acabo, Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo. Ah, que ninguém me dê piedosas intenções, Ninguém me peça definições! Ninguém me diga: "vem por aqui"! A minha vida é um vendaval que se soltou, É uma onda que se alevantou, É um átomo a mais que se animou... Não sei por onde vou, Não sei para onde vou Sei que não vou por aí! José Régio
Solidão é um mar sem profundidade, sem maré, imenso e inavegável... Não ter ninguém, não falar com ninguém, não ver ninguém... Solidão é uma merda, um beco sem saída, uma ilha perdida... Ficar falando consigo até a exaustão, falar para não enlouquecer, enlouquecendo... Solidão é cobardia, é não querer, é ir desistindo, entregando a vida ... Ficar na janela olhando nada, música tocando e não se ouvir, silêncios sonoros zumbindo !!
O Buddha soando seus dizeres, os mantras te puxando e mesmo assim... Solidão é negação, é não viver, é só o espírito se rebelando, procurando sair... O mar leva o espírito, voando veloz por sobre as águas no vazio... Solidão é reflexão, é regressão, é viver para trás procurando o porquê Amar é tão distante, rir é algo que está doente, sobra só dormir, sim dormir... Dormir o sono dos perdedores, sonhar com a vida que já não existe, dormir acordado...
Porra, mandar tudo para o espaço tentei, como um boomerang tudo voltou... Fugir não adianta, fugir para onde, da solidão não se foge... Beber, fumar, foder, gastar, caminhar, olhar e no fim, chorar.. Chorar sem lágrimas, chorar porque só apetece chorar, chorar sem consolo ... Os dias e as noites sucedem-se e passam semanas num instante, voam... A noite e a cama vazia são a estocada final, como um castigo ela será o teu refúgio Abraçado à almofada, rolando e emaranhando os lençóis o amanhecer chegará O sono vencerá , o dia já a meio, da janela o paraíso, outro dia e depois outro e outro
O nascimento, a velhice, a doença e a morte são sofrimentos, assim como são o fato de odiar, estar separado de um ente querido ou de lutar inutilmente para satisfazer os desejos.
De fato, a vida que não esta livre dos desejos e paixões esta sempre envolta com a angustia.
Eis o que se chama de a Verdade do Sofrimento.
A causa do sofrimento humano encontra-se, sem duvida, nos desejos do corpo físico e nas ilusões das paixões mundanas.
Se estes desejos e ilusões forem investigados em sua fonte, poder-se-a verificar que os mesmos se acham profundamente arraigados nos instintos físicos.
Assim, o desejo , tendo um grande vigor, já em sua base, pode manifestar-se em tudo, inclusive mesmo, em relação a morte.
A isto se chama de a Verdade da Causa do Sofrimento.
Se o desejo, que se aloja na raiz de toda a paixão humana, puder ser removido, ai então, morrera esta paixão e desaparecerá, consequentemente, todo o sofrimento humano.
Isto é chamado de a Verdade da Extinção do Sofrimento.
Para se atingir um estado de tranquilidade, em que não há desejo nem sofrimento, deve-se percorrer o Nobre Caminho, galgando suas oito etapas que são:
Percepção Correta, Pensamento Correto, Fala Correta, Comportamento Correto, Meio de Vida Correto, Esforço Correto, Atenção Correta e Concentração Correta.
Eis a Verdade do Nobre Caminho para a Extinção dos Desejos.
Deve-se ter sempre em mente estas Verdades, pois, estando o mundo cheio de sofrimentos, deles se pode escapar, apenas com o romper dos vínculos das paixões mundanas, que são a causa única das agonias.
O meio de vida, isento de toda a paixão mundana e do sofrimento, somente é conhecido através da Iluminação, e a iluminação somente pode ser alcançada através da disciplina do Nobre Caminho.
Aqueles que buscam a Iluminação devem entender as Quatro Nobres Verdades.
Se não as entender, perambularão interminavelmente no desconcertante labirinto das ilusões da vida.
Todos aqueles que conhecem as Quatro Nobres Verdades são chamados de “pessoas que adquiriram os olhos da Iluminação.”
Por essa razão, aqueles que quiserem seguir os ensinamentos de Buda deverão concentrar suas mentes nestas Quatro Nobres Verdades e procurar entende-las claramente.
Em todas as épocas, um santo, se verdadeiramente santo, é aquele que as conhece e a ensina aos outros.
Quando um homem conhecer claramente as Quatro Nobres Verdades, o Nobre Caminho o afastará de toda a cobiça.
Uma vez livre da cobiça, ele não lutará com o mundo, não matará, não roubará, não cometerá adultério, não trapaceará, não abusará, não invejará, não se irritará, não se esquecerá da transitoriedade da vida nem será injusto.
Lá onde não se quer a miséria absoluta pois a miséria só por si até que nem seria má de todo, esgrimem-se razões e reivindicações ao ritmo da morte que paulatinamente vai ceifando os cidadãos absolutamente miseráveis e os miseráveis...
Tal como um clube rico que negoceia a aquisição de mais um reforço, sem stress, pesando cada vantagem e cada desvantagem, ao sabor do defeso, sem nenhum prazo, sem qualquer pressão, por lá assim se negoceia um acordo sem urgência, sem mesmo banco de urgências !!!
A que ponto chegaram como seres humanos ou será que de humanos só têm a definição?
A capacidade de aceitar o inaceitável, de digerir friamente o mal alheio provocado por eles próprios, a prepotência a qualquer preço, a desumanidade total, é debradar aos Céus !!!
"Será que alguém pensa genuinamente que se não conseguiu algo foi por não ter tido o talento, a força, a resistência e a determinação nesse sentido?" Nelson Mandela
Os hospitais, os centros de saúde, ao longo desse imenso país estão há mais de 10 dias a funcionar a txova ou seja, não funcionam de forma que se permita tratar, ajudar, salvar os cidadãos absolutamente miseráveis e os outros restantes miseráveis ...
Estou a reler um livro que se chama os Malditos e que trata do personagem Diabo e dos homens que viveram e se comportaram como exemplos vivos do Demo.
Um deles chamava-se Laurenti Pavlevitch Béria, foi o braço executor das depurações na URSS no tempo de Estaline e era de facto um individuo diabólico, para quem a vida humana não tinha valor algum.
Mandou para os Gulags milhares, purgou muitas centenas de milhares, foram assassinados milhões em prol dum ideal inexistente, numa paranóia de poder absoluto que desencadeou uma espiral de morte que ultrapassou qualquer lógica !!!
Passaram quase 70 anos desde essa altura e ou por coincidência ou por acaso, ao ler as descrições sobre a forma impessoal como se eliminavam pessoas, fria e cruelmente, não consegui deixar de comparar com o que se está a passar pela terra que diz querer erradicar a miséria total.
Como é possível que alguém com responsabilidades decisórias sobre o caos no sistema de saúde pública consegue dormir calmamente durante estes tantos dias que passaram, em que já morreram muitas pessoas e continuam a morrer, como condenados, como os deportados sem hipóteses de serem salvos, sem qualquer esperança de sobreviver ?
O que é que está a acontecer com eles?
Como é que é possível que os gritos de desespero, os gritos de saturação, de desgaste total dum povo não toquem nem que só levemente no coração de quem tem nas mãos o poder de decidir sobre a sobrevivência ou não de milhares de pessoas? Pessoas que estão a sofrer e a pagar por algo de que não têm culpa nenhuma !!
Os Béria pelos vistos existirão sempre, o Diabo, simbólico ou não, triunfará sempre se o Bem e a Justiça deixarem de ser o objectivo primordial ... Cabe às pessoas sensatas e conscientes, tudo fazerem para que nesse país que diz querer acabar com a miséria absoluta, não perdurem esses actos dignos do verdadeiro Lúcifer !!
"Devemos usar o tempo sensatamente e entender que o momento é sempre adequado para se fazer o bem."
Mia Couto que não precisa de apresentações ganhou hoje o Prémio Camões, o maior galardão para os escrevinhadores da língua portuguesa. Moçambique mais uma vez tem motivos para celebrar este feito que já foi alcançado no passado pelo poeta mor José Craveirinha. Parabéns Mia Couto, parabéns Literatura Moçambicana !!
O não desaparecimento de Maria Sombrinha
Afinal, quantos lados tem o mundo no parecer dos olhos do camaleão?
Já muita coisa foi vista neste mundo. Mas nunca se encontrou nada mais triste que caixão pequenino. Pense-se, antemanualmente, que esta estória arrisca conter morte de criança. Veremos a verdade dessa tristeza. Como diz o camaleão - em frente para apanhar o que ficou para trás.
Deu-se o caso numa família pobre, tão pobre que nem tinha doenças. Dessas em que se morre mesmo saudável. Não sendo pois espantável que esta narração acabe em luto. Em todo o mundo, os pobres têm essa estranha mania de morrerem muito. Um do mistérios dos lares famintos é falecerem tantos parentes e a família aumentar cada vez mais. Adiante, diria o camaleonino réptil.
A família de Maria Sombrinha vivia em tais misérias, que nem queria saber de dinheiro. A moeda é o grão de areia esfluindo entre os dedos? Pois, ali, nem dedos. Tudo começou com o pai de Sombrinha. Ele se sentou, uma noite, à cabeceira da mesa. Fez as rezas e olhou o tampo vazio.
- “Eh pá, esta mesa está diminuir!”
Os outros, em silêncio, balancearam a cabeça, em hipótese.
- “Vocês não estão a ver? Qualquer dia não temos onde comer.”
Ao se preparar para dormir, apontou o leito e chamou a mulher:
- “Esta cama cada dia está mais pequena. Um dia desses não tenho onde deitar.”
Debateram o assunto, timidamente, com o pai. Sugeriram que a razão pudesse ser inversa: o mundo é que estava a aumentar, encurralando a aldeiazinha. Fosse o caso dessa suposição, a aldeia estaria metida em vara de sete camisas. Mas o velho não arredou ideia. Casmurrou contra argumento alheio, ancorado na teima dele.
Por fim, sua visão minguante aconteceu com Sombrinha. Ele via o tamanho dela se acanhar, mais e mais pequenita. E se queixava, pressentimental:
- “Esta menina está-se a enxugar no poente...”
Todos se riam. O pai cada vez piorava. Face ao riso, o homem se remeteu à ausência. Se transferiu para as traseiras, se anichou entre desperdício e desembrulhos. A filha ainda solicitou comparência do mais velho.
- “Deixe o seu pai. lá onde está, ele não está em lugar nenhum.”
Valia a pena sombrear a miúda, minhocar-lhe o juízo? Mas Sombrinha não deixou de rimar com a alegria. Afinal, era ainda menos que adolescente, dada somente a brincriações. Sendo ainda tão menina, contudo, um certo dia ela se barrigou, carregada de outrem. Noutros termos: ela se apresentou grávida. Nove meses depois se estreava a mãe. Sem ter idade para ser filha como podia desempenhar maternidades?
A criancinha nasceu, de simples escorregão, tão minusculinha que era. A menina pesava tão nada que a mãe se esquecia dela em todo o lado. Ficava em qualquer canto sem queixa nem choro.
- “Essa menina só pára quieta!”, queixava-se Sombrinha.
Deram o nome à menininha: Maria Brisa. Que ela nem vento lembrava, simples aragem. Dona mãe ralhava, mas sem nunca fechar riso, tudo em disposições. Até que certa vez repararam em Maria Brisa. Porque a barriguinha dela crescia, parecia uma lua em estação cheia. Sombrinha ainda devaneou. Deveria ser um vazio mal digerido. Gases crescentes, arrotos tontos. Mas depois, os seios lhe incharam. E concluíram, em tremente arrepiação: a recém-nascida estava grávida! E, de facto, nem tardaram os nove meses. Maria Brisa dava à luz e Maria Sombrinha ascendia a mãe e avó quase em mesma ocasião. Sombrinha passou a tratar de igual seus rebentinhos - a filha e a filha da filha. Uma pendendo em cada pequenino seio.
A família deu conta, então, do que o pai antes anunciara: Sombrinha, afinal das contas, sempre se confirmava regredindo. De dia para dia ela ia ficando sempre menorzita. Não havia que iludir - as roupas iam sobrando, o leito ia crescendo. Até que ficou do mesmo tamanho da filha. Mas não se quedou por ali. Continuou definhando a pontos de competir com a neta.
Os parentes acreditaram que ela já chegara ao mínimo mas, afinal, ainda continuava a reduzir-se. Até que ficou do tamanho de uma unha negra. A mãe, as primas, as tias a procuravam, agulha em capinzal. Encontravam-na em meio de um anónimo buraco e lhe deixavam cair uma gotícula de leite.
- “Não deite de mais que ainda ela se afoga!”
Até que, um dia, a menina se extingiu, em idimensão. Sombrinha era incontemplável a vistas nuas. Choraram os familiares, sem conformidade. Como iriam ficar as duas orfãzinhas, ainda na gengivação de leite? A mãe ordenou que se fosse ao quintal e se trouxesse o esquecido pai. O velho entrou sem entender o motivo do chamamento. Mas, assim que passou a porta, ele olhou o nada e chamou, em encantado riso:
- “Sombrinha, que faz você nessa poeirinha?”
E depois pegou numa imperceptível luzinha e suspendeu-a no vazio dos braços. “Venha que eu vou cuidar de si”, murmurou enquanto regressava para o quintal da casa, nas traseiras da vida.
O estado de provação se estende fazendo já milhares de horas extraordinárias no meu viver. Fiquei seco de palavras e só me sobrou o alento para beber a Sabedoria, a única possibilidade de continuar sem desfalecer definitivamente . Então peguei meu Bhagavad - Guitá, meu Livro Sagrado e fui lendo e relendo esta lição. Krixna , o Ser supremo sob a forma humana (avatar ), guia o carro de Ardjuna na batalha de 18 dias.
O Senhor Krixna disse:
Este corpo, ó Filho de Kuntí, chama-se o campo:quem bem o conhece é proclamado pelos sábios, disto cientes, como conhecedor do campo.
Fica sabendo, ó Grão Filho de Bhárata, que sou, do campo conhecedor em todos os campos. Conhecimento do campo e do seu conhecedor é, por Mim, tido como o vero conhecimento.
Escuta, vou dizer-te agora e em resumo em que consiste o campo e qual a sua espécie, a sua variedade e também sua origem, e quem conhece o campo e quais os seus poderes.
Sábios- videntes, isto já muito cantaram em vários hinos védicos, e nesses aforismos referentes a Brahma e compostos p'la ordem d'irrefutável, conclusivo raciocínio.
Os grandes elementos, a percepção do eu, o intelecto mais o Não - manifestado, e mais ainda os onze órgãos dos sentidos e os cinco campos em que actuam os sentidos;
desejo, aversão, prazer e dor, o agregado do corpo, a consciência e a persistência, eis a descrição do campo, em resumo, com suas modificações.
modéstia e total sinceridade e não - violência e também honestidade, paciência e serviço aos pés do Mestre , pureza, autodomínio e constância;
antipatia pelos objectos dos sentidos, ausência d'egoísmo e o claro entendimento dos malefícios, que provêm da doença e da velhice e dor e nascimento e morte;
desprendimento, não - apego ante a família, o filho, a mulher, a casa e tudo o mais, e a consciência sempre igual, imperturbável, ante o que vem que se deseja ou não deseja;
inteira devoção, a Mim só dirigida, com rigorosa práctica d'Yôga, vivendo num lugar, retiro solitário, da multidão dos homens desgostoso,
em perpétua pesquisa só do conhecimento d'Átma supremo, com a contínua percepção d'alvo do conhecimento da verdade, eis sabedoria: seu contrário é ignorância.
Átma - O Eu, principio do ser , e o eu individual. O Eu e o eu exprimem, por assim dizer, as ideias de personalidade e de individualidade. Ardjuna - filho do Deus Indra, Um dos cinco heróis do Mahabharata
Brahma - Brahma não é Um, nem simples Unidade, porque tais noções provêm da nossa mente finita e Brahma não tem fim. Ele é Unico em Unidade inconcebível.
Dharma - Na sua acepção mais geral, significa maneira de ser, a natureza essencial de um ser.
Filho de Kuntí - Ardjuna
Upanixads - O epílogo dos Vedas, as escrituras sagradas, datadas do séc. XII antes de Cristo.
Venerado, Amado, Único, também meu Buddha !!! Os caminhos se entrelaçam , desaparecem no nevoeiro que surge, simplesmente deixo de ver caminho algum...
A paz permanece plena me preenchendo o ser , como se assistisse ao meu próprio drama, tomo coca-cola e como pipocas na plateia vendo tudo acontecer sem imaginar o final .
Meu Buddha, não é entender que eu busco, não é sequer resolver meus problemas, apenas sorrir ...
Por dentro fazer sorrir os afectos e o bem querer, por fora sorrir dos cabelos aos pés !!
Buddha , mestre do apaziguamento e do desapego, explica-me como consigo estar em paz, sem receio algum quando tudo o que me rodeia ferve em azeite, se cozinhando, se torrando sem dó nem piedade?
O mar beatífico em cores suaves e o silêncio sem vento deixam a água feito um tapete mágico em tons de azul..
Pergunto ao Mestre, como beber essa aura, essa vibração irradiante do cenário gigantesco em tons de azul, como beber o que estou a ver e a sentir, a Presença Imensurável do Divino, que tudo envolve e deixar essa bênção luminosa escorrer para dentro do meu coração ?
Pergunto se algo mudaria se eu saísse da plateia, subisse ao palco e termina-se marcial essa peça surreal... Cantando um reggae para a cadeira vazia deixada por mim; será que depois quando saísse do Teatro da vida, quando transpusesse as portas para a rua, encontraria algo para além dum vazio velado?
Buddha teu nirvana , tua luz e sabedoria abarcam os espíritos de todos nós e seguindo ínfimo em minha já imensa pequenez, vou soletrando teus pensamentos e consolidando minha paz ! Estou pronto já faz muito tempo, estou tranquilo já faz algum tempo, sinto sim que estou e que sou !!!
"Um indivíduo pode ter sido iludido no passado. Mas depois corrige seu pensamento e torna-se uma pessoa desiludida. Ele, portanto, é como a lua que saiu de trás de uma nuvem escura, assim, ele ilumina o mundo. "Buddha
"A escuridão não pode expulsar a escuridão: só a luz pode fazer isso. O ódio não pode expulsar o ódio: só o amor pode fazer isso."Buddha
Existe uma única estrada e somente uma, e essa é a estrada que eu amo. Eu a escolhi. Quando trilho nessa estrada as esperanças brotam e o sorriso se abre em meu rosto. Dessa estrada nunca, jamais fugirei.Buddha
Querida vem junto de mim Esta noite quero cantar Uma canção para ti Uma canção sem lágrimas Uma canção ligeira Uma canção de charme O charme das manhãs Envolvidas em bruma Em que valsam coelhos O charme dos pântanos Onde alegres crianças louras Pescam crocodilos
O charme dos prados Que se ceifam no Verão Para podermos rebolar-nos O charme das colheres Que rapam os pratos E a sopa de olhos claros O charme do ovo cozido Que permitiu a Colombo O truque mais luzido O charme das virtudes Que dão ao pecado O gosto do proibido
Podia ter-te cantado Uma canção de carvalho De ulmeiro ou de choupo Uma canção de plátano Uma canção de teca De rimas mais duráveis Mas sem ruído nem alarme Preferi experimentar Esta canção de charme Charme do velho notário Que no estúdio austero Denuncia o falsário
Ou o charme da chuva Escorrendo gotas de ouro Sobre o cobre do leito Charme do teu coração Que vejo junto ao meu Quando penso no bem-estar Ou o charme dos sóis Que giram sempre em volta De horizontes vermelhos E o charme dos dias Apagados da nossa vida Pela goma das noites
As teias que envolvem o quadro escondido pelo tempo são como uma manta de filigrana
No fundo do sótão, por trás de móveis desconjuntados, da bola de basket careca de tantas partidas
A tela esquecida, na penumbra dos dias permanece guardando a história dum tempo, dum espaço...
Não feito o quadro de Dorian Gray, apenas se descascando imperceptível mente, devagar...
No dia em que se fez a mudança de casa, nesse dia ele seria relegado para o fundo do sótão
Esta casa do presente, já muito antiga, não tem nenhuma parede onde ele possa ser pendurado
Nenhum prego, nenhum acessório poderá suster o peso da pintura, as paredes liquefazem-se
Nesta casa a luz faz com que o azul do mar da tela se derrame qual maré pelo chão, pelos quartos
As gaivotas volteando por cima do barco artesanal ouvem-se pelos corredores, ah o calor...
O calor, a brisa do mar não chega para amenizar o torpor , o chão de madeira ferve, a areia queima..
Por dentro de nós passam mundos, passados, presentes e futuros, atropelam-se as noções elementares O vivido, são camadas de vida vivida e em qualquer delas existimos intensamente, nos apaixonamos, nos angustiamos parecendo que só aquele presente existiu, são tantos presentes Camada a camada vamos vivendo a vida vivida, fluindo... O que se vive no presente, é apenas mais uma camada a acrescentar às outras, às que passaram É o momento real, que nos envolve, que nos faz agir e que nos faz pensar no impalpável futuro Ele virá, será presente e de imediato mais uma camada a sobrepor as outras...
A dimensão dos sonhos sonhados, das vontades, dos desejos, do que se imagina no cenário presente
Essa é a única dimensão que não se junta as camadas do tempo, a dimensão da mente
Ela projecta e desenha, pinta, ela representa só para ti, exclusivamente és tu e sonhas para ti
Dentro de nós estão mundos passados, presentes e futuros, atropelam-se as noções elementares
O viver transforma-se numa grande aventura, numa viagem de constantes revelações, materiais, etéreas, whatever, maravilha !
Impossível não querer entender, tudo está a acontecer seguido e ao mesmo tempo.
Lá da Coreia ameaçam mentes loucas e cheias de raiva fazerem explodir o planeta com armamento nuclear...
Nós frustrados com a nossa vida sem futuro melhor, conformamo-nos por estar muito longe de Pyongyang e sorrimos seguros e em paz na nossa merda de realidade...
... mas um mal nunca vem só, para fechar o ciclo da desesperança e do desengano, oiço o matraquear das AK47 em Muxungué e vejo os cidadãos tranquilos viajando de autocarro num suposto país em paz a serem mortos sem compaixão, o dejá vu da guerra civil está aí, real...
A guerra, que aflige com os seus esquadrões o Mundo, É o tipo perfeito do erro da filosofia. A guerra, como tudo humano, quer alterar. Mas a guerra, mais do que tudo, quer alterar e alterar muito E alterar depressa. Mas a guerra inflige a morte. E a morte é o desprezo do Universo por nós. Tendo por consequência a morte, a guerra prova que é falsa. Sendo falsa, prova que é falso todo o querer alterar. Deixemos o universo exterior e os outros homens onde a Natureza os pôs. Tudo é orgulho e inconsciência. Tudo é querer mexer-se, fazer coisas, deixar rasto. Para o coração e o comandante dos esquadrões Regressa aos bocados o universo exterior. A química directa da Natureza Não deixa lugar vago para o pensamento. A humanidade é uma revolta de escravos. A humanidade é um governo usurpado pelo povo. Existe porque usurpou, mas erra porque usurpar é não ter direito. Deixai existir o mundo exterior e a humanidade natural! Paz a todas as coisas pré-humanas, mesmo no homem, Paz à essência inteiramente exterior do Universo!
Alberto Caeiro, in "Poemas Inconjuntos" Heterónimo de Fernando Pessoa
Como é que se faz um País?
Será que não conseguem os homens ser solidários e deixar de lado a avidez vampírica pelo Poder?
Começo a crer que a tal mudança que diziam ir acontecer a 21 de Dezembro começa a fazer sentido...
Como uma onda de um Tsunami surrealmente enorme ela se vem aproximando desde então...
As relações, as atitudes, a fragilidade de todo o quotidiano, a perenidade de tudo como se o presente fosse o último dia das nossas vidas, egoísmo, futilidade , culto do consumismo pelo consumismo, completamente oco de qualquer fundamento, ou seja, o boçalismo elevado a status dominante da sociedade, a insensibilidade para com o povo de um país riquíssimo que vive no limiar da miséria, a dança dos abutres, o riso das hienas, o cheiro a podre...
Que porra de merda é esta em que se transformou o meu país ?!?!
Obra mal feita, em vez construção responsável e em vez de se plantar para colher no futuro, colhem-se frutos híbridos, doentes no imediato .
O imediato é a religião e para isso o poder a qualquer preço como doutrina!!
A guerra muda tudo, destrói gerações, gasta tempo de vida, é uma merda !!
Tomara que esses senhores pelo menos consigam fazer calar as armas antes que nos desfaçamos em sangue !!
Triste será se um dia a vivermos de novo à base de repolho e carapau, falarmos do país que Moçambique já era antes desta 2ª guerra civil e também falarmos daquele país grandioso em que Moçambique se poderia ter transformado, se os homens tivessem sido menos egoístas, menos cegos, menos orgulhosos, menos burros neste momento!!!
Façamos uma mistura de liberdade, ganância, tesouros naturais, egoísmo, tesão de ditadura, deslumbramento, ódios, sentimentos de injustiça, desespero, pobreza extrema, sem vergonhiçe, muito dinheiro, etc, deitemos esses ingredientes voláteis num oceano de bom senso e os deixemos esfriar.
Verificaremos que depois de frios estes ingredientes não têm mais poder para nos fazer enlouquecer a ponto de começarmo-nos a matar uns aos outros, entre irmãos; acordaremos como se tivéssemos estado a viver um pesadelo, tenho a certeza.
Consertemos as nossas almas, resgatemos a nossa essência de povo e falemos das coisas que nos separam chamando os bois pelos seus nomes !!!
Não subestimemos estes sinais, este aviso de Muxungué é um sinal muito forte.
Basta de impunidade, basta de se pensar que alguns têm mais direitos do que a maioria, sejamos honestos e construamos a paz, a felicidade e o desenvolvimento deste País na base da verdade e do trabalho abnegado em prol de todos...
Parem esta palhaçada que já está a trazer de novo o luto provocado pelo ódio !!