segunda-feira, 23 de março de 2020

Gaia cansou-se



















Gaia cansada de ser violada desde sempre
pela sua criação mais imperfeita, o homem,
dorida e paciente lambe as velhas chagas
e as feridas frescas, abertas e ensanguentadas 

Gaia que surgiu do Caos e sonhou a sua obra perfeita, 

constata agora que afinal errou, que criou a sua morte
e o tempo de espera para que ela se redimisse 
e alterasse o rumo da sua destruição, esgotou-se 








Século após século o homem decepou os seus braços, 
arrancou de dentro dela os seus órgãos, os seus ossos,
ávido vampiro sugou a sua seiva, envenenou o ar 
e cruel, plastificou as espécies do seu elemento líquido

Bêbado de luxuria e para alimentar a sua vaidade, 
fez mil buracos no seu corpo, na busca de óleo e pedras,
depois intoxicou o ar e queimou os seus pulmões 
que sufocados, derreteram os glaciares do seu equilíbrio, 
Gaia ficou moribunda, muito debilitada, mas lúcida 











e para sobreviver, ferida e atraiçoada pela sua obra
Gaia ergueu-se e sofrida desferiu o golpe,
tinha de parar a loucura da sua criação,
decidida soltou o veneno, invisível e letal,
que percorre agora o céu, a terra e os mares 
Lavada em lágrimas assiste à agonia da sua criação, 
que surpresa e inconsequente, estrebucha e culpa o acaso,
não quer perceber a real causa, nega-se a aceitar
que o mal é a sua ação destrutiva, tenebrosa