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segunda-feira, 17 de agosto de 2015

Um pedaço do conto Licaho








                      





Estou a reescrever este conto fantástico e resolvi partilhar este excerto para vossa apreciação...



O mato selvagem cercava-os. O som dos animais selvagens fazia-se sentir a espaços, sendo o próximo som mais assustador do que o anterior. O cenário era esclarecedor quanto ao perigo da zona que atravessavam. Lúcio com um cajado numa mão e a catana a tiracolo seguia à frente. Timbissa com os peixes numa mão e uma lança que o velho lhe emprestara na outra, seguia-o monologando entre-dentes.
A lua cheia produzia uma luminosidade de tons azulados, transformava a savana numa paisagem surreal. Olhos brilhantes espreitavam em cada encruzilhada do caminho. O suor alagava-lhes as axilas e os pés calejados abriam rachas, feridos pelas pedras cortantes que iam pisando pelo trilho. Faltava pouco. 
Pousado num tronco do embondeiro e piando sinistramente, estava um mocho colossal. Ao vê-los aproximarem-se levantou voo e exibiu umas asas de grande envergadura. Timbissa sentiu um novo arrepio e Lúcio estacou  paralisado pelo medo. Mais à frente as risadas sinistras de duas quizumbas fizeram-se ouvir, era como se elas soubessem qual o desfecho final e estivessem a gozar os dois infelizes. Tudo indicava que estavam a entrar nos domínios de Machaia.










Finalmente chegaram a uma pequena montanha fendida ao meio, parecia que tinha sofrido uma convulsão violenta e estalado. O espaço entre as duas metades não tinha mais que a largura de ombros de um homem. Lúcio voltou-se e disse:
- Aqui começa a terra de Machaia. Não se assuste com as jibóias que encontrarmos no caminho. Não as pise. No fim deste desfiladeiro encontraremos Machaia.
A passagem era escura, tenebrosa. Caminhavam a passo. Timbissa suava em bica, caminhava como um sonâmbulo. Saltaram por cima de duas jibóia adormecidas que se viam no meio da escuridão por serem anormalmente fosforescentes. Morcegos de todos os tamanhos cortavam os ares e roçavam-lhes pela cara provocando mais arrepios em Timbissa. 
Desembocaram por fim num descampado circular. Parecia uma arena. Cercado de rochas o lugar era um refúgio incrível com um único acesso. Uma toca. Um beco sem saída. Olhando à sua volta Timbissa descobriu uma entrada na rocha. 
“Uma gruta que só pode ter sido cavada por força dos espíritos” – pensava - “Isto não é um lugar normal. Os muzimos aqui metem medo demais. Não devia ter vindo”.
Inconscientemente encostou-se a Lúcio. Caminharam até à boca da gruta. Lúcio ajoelhou-se e chamou:
- Machaia! Machaia! Você está a ser precisado!













O silêncio era sepulcral. Uma aragem gelada brotava do interior da caverna. Ouviram-se então passos lentos, arrastados. Surgiu então da penumbra um ancião de pele 
acinzentada, com o cabelo grisalho misturado com barro e que lhe chegava até à cintura. Ao luar parecia a juba de um leão mas de cor de barro. Cobria-se de peles, uma escura à cintura e outra de leopardo caia-lhe pelos ombros. O cabelo entrançado naturalmente, fazia-o parecer-se com um rastaman. Apoiava-se num cajado de madeira branca que era fosforescente como as jiboias que encontraram no desfiladeiro. 
- Faz muito tempo que não ouvia a tua voz Lúcio. Quantas luas já passaram desde a última vez que vieste aqui ?
A voz do curandeiro parecia vinda do além, era grossa e mesmo falando baixo ecoou pela arena de pedra quando questionou Lúcio.
- Muitas luas, muitas mesmo Machaia...
Lúcio estivera ligado a uma tragédia que acontecera em Cahora Bassa, quando um casal que vivia numa ilha na albufeira processando peixe pende, desapareceu para sempre sem deixar rasto. Lúcio era marinheiro e esteve nas buscas.  Machaia decifrara o mistério mas Lúcio na altura não teve coragem de contar a verdade para a comunidade. A verdade era surreal e se ele a contasse com certeza ninguém acreditaria e ele seria olhado como um louco.















- Quem é este que aqui trazes? Espero que não me venhas pedir ajuda para depois não usares, como fizeste da última vez – quando disse isto os seus olhos iluminaram-se de cor de fogo, a sua voz era de despeito. Machaia nunca perdoara esta atitude de Lúcio e este não sabia que o curandeiro tinha este sentimento de rancor guardado à tanto tempo.
- Este é Timbissa, amigo de Manjate. Ele tem um problema com a mulher mais nova e precisa da sua ajuda – respondeu Lúcio a medo.
- Ah! Amigo de Manjate? Esse é meu velho conhecido. Já lhe ajudei muito... Podem entrar. Vou aumentar a lenha no lume – dito isto avançou para o interior da gruta. Pegou nuns paus armazenados num molho a um canto e sob o olhar dos visitantes fez brotar uma labaredas reconfortantes.
Timbissa olhava ao redor e não se conseguia controlar. Estava em estado de choque. Animais estranhos embalsamados. Búzios enormes. Uma variedade de cabaças de tamanhos  diferentes. Raízes e ramos exóticos pendurados por todo o lado. Uma diversidade de coisas e artefactos estranhos preenchiam o interior desta caverna sobrenatural.
mais impressionante e o mais ameaçador era um corvo vivo que pousado ao lado de Machaia os observava fixamente, parecia ter o olhar irónico e desconfiado dum ser humano. Simplesmente assustador. Lúcio entregou os peixes que já exalavam um cheiro nauseabundo. O corvo seguia todos os movimentos sem se mexer. Depois de acomodados em cima de algumas peles de leão, finalmente Timbissa contou a sua história.












sábado, 27 de setembro de 2014

Os eus do Eduardo White



















 
Hoje sou eu e não sou, estou em mim como uma realidade etérea dentro e física fora. Sai de casa um e voltei para ela outro. 
Dei conta desse facto, agora, quando me sentei junto ao computador e quis escrever e não pude.
 Entretanto, uma campainha fictícia tocou-me e abri o peito para espreitar quem era e era o outro que tocava.
 Esqueceste-te de mim, disse-me. 
Eu fitei-o alarmado porque nunca tal realidade se tinha dado assim tão evidente.
 Desculpa-me, respondi-lhe. 
Abri mais o peito e ele entrou-me e logo fiquei dois num ápice. Sentamos-nos os três. Eu, a matéria, e os dois outros que me ocupam e que são informes e intactáveis e que aqui falam comigo de modo estranho.










Acho inacreditável que não seja eu nenhum de vós dentro de mim, afirmo-lhes. 
E eles riem-se e eu calo-me estupefacto. Se sou dois e percebo, quem é este dentro de mim?
 Pergunto-lhes. Sim, porque se os vejo, sou e se com eles falo, penso e se penso e não sou eles, sou eu , então, mais um outro. 
Isto não me agrada, cogito. Mas... e com qual pensa este que agora sou? 
Outro, respondem-me eles. 
Eu vazo de inacreditar. Eu baralho-me de imperceber. Somos três, e' isso que somos? 
Sim, respondem eles. Tu és a parte material desse que és, neste exacto momento e esse que és, é a outra parte com que a tua matéria se pensa. 
Mas, porra, e então vocês? grito-lhes, irritado.









 Nós somos os outros que tu de vez em quando és e nós o tu que a gente é quando assim o queremos. 
Sou, pelos vistos, um hospedeiro? pergunto-lhes eu. 
Do teu ponto de vista, sim, porem, do nosso, não.
 A confusão engorda, a duvida alonga-se. E o que fazem então, aqui, vocês? pergunto-lhes.
 Eu venho escrever por ti e este vem fumar contigo e o que tu és, e és tu e estas ai e nós aqui.
 Caramba, ó meus senhores, eu já não percebo nada. Se eu sou eu o este que estou e vós sois eu o esses que são, quem sou eu? 
Todos nós, dizem eles, e nós todos tu. 
Brrrrr, merda danada. Já estou a espalhar-me de imperceber. Esperai, digo-lhes eu, eu vou dormir para ver se me arrumo e volte a entender esta salada toda. Nós vamos contigo, dizem-me eles. Porque? pergunto-lhes.
 Porque nós também precisamos de o fazer e se não fizermos contigo não o poderemos fazer com mais ninguém. Nós somos tu e tu és nós, lembras-te? 
E eu levanto-me, sem dizer nada, e venho deitar-me e eles comigo ou eu com eles, fico sem saber dizer. E durmo.

Eduardo White







segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Mayra Andrade e a africanidade





                                                     
                                               Ilha de Sta carolina - Arquipélago de Bazaruto















África, do pôr do sol que se incendeia em vermelhos e laranjas.  
Incendeiam-se também as savanas e os corações cansados e desiludidos...
África das doces tangerinas, das mangas de mel e dos doces sorrisos das gentes!










O amargo das vidas perdidas contrastam com a dádiva da beleza dos palmares infinitos...
África das praias paradisíacas e virgens, do espaço onde o tempo se perdeu para sempre de si.
Na sede do ultraje e da rapina, o nosso futuro eternamente se adia,  o futuro desacontece...









África dos contrastes, onde as minoriazinhas reinam sobre a maioria, como vampiros sedentos
A música e a dança, os corpos frenéticos no som dos tambores, o suor e as lágrimas, a força...
África, o cheiro da terra, o perfume que se prende para sempre na memoria, a marca umbilical










As capulanas e as vozes, o colorido da vida nas ruas, vive-se intensamente sem esperança... 
Africa, o berço do homem, o ninho inexplorado que de repente parece ter despertado...toda a cobiça !
O sabor dos dias é macio, sem a violência do preço a pagar para se viver que se paga nos outros continentes .
África, és o continente das reservas naturais e os teus filhos docemente penam pela sobrevivência, numa forma quase religiosa de não reagir.