sábado, 15 de fevereiro de 2020

O silêncio e Van Morrison







                                                            O segredo duplo, René Magritte - 1927



















Se me perguntarem se eu quero ir,

direi que sim, eu quero ir

mas, perguntar-me-ão depois,

queres ir afinal para onde?

Direi que preciso de ir para qualquer lugar,

que sinto que não estou em lugar algum

Direi que pairar não é estar, que estar silêncio

Se me perguntarem se eu quero ir,

direi que é a urgência maior

Não estar aqui e mesmo estando

saber que não existe para onde ir












Esse lugar que buscas, está dentro de ti,

não é possível fazer dele um lugar para ir

Não se fica nele, ficar nele é continuar

a querer ir, a querer encontrar

Passar por ele, conviver com ele

para não sofrer, continuar a querer ir

Estranho afã, o querer ir

Pulsão líquida que se evapora

e de novo se faz líquida, inquieta

Querer ir afinal para onde?



quinta-feira, 13 de fevereiro de 2020

Pertencer ao não espaço









                                                 A ponte de Heráclito - René Magritte, 1935






















Não pertenço a lado nenhum,
não pertenço lá, não pertenço cá
Nasci lá, cresci lá, no tempo em que
o que era lá, era aqui também
Lá era uma parte daqui,
mas não era aqui,
era uma mistura do que era lá
com o que chegava daqui
No fim da mistura, lá, sobrou só o lá
e eu não sou só de lá,
eu não sinto só o lá,
então vim para aqui, onde nunca houve mistura
onde falta o lá, aqui, só está o aqui
Também não sinto o aqui,
nunca pertenci só aqui, também sou de lá
Será que sou sem lugar?
Será que alguém pertence a algum lugar
ou é tudo uma questão da argila de que somos feitos?
Será que temos uma ideia errada do que é ser?
Ser é o quê afinal?












Nasci lá sob o regime daqui,
cresci e fiz-me homem,
o regime acabou, lá e aqui
A realidade lá, transformou-se numa coisa,
que não tem nada a ver com o que fui,
nem com o que sou
Cansei-me e vim ver o outro lado,
o aqui, onde tudo começou,
e o aqui, também não tem nada a ver comigo,
é só o aqui, não tem nada de lá, nunca teve
Quando éramos lá e aqui,
inseridos numa realidade diferente,
éramos uma mistura e nela fiz-me este que sou,
diferente dos de lá e dos de aqui
Hoje nem sou lá nem sou aqui, sou o quê então?