A fila de carros no cruzamento se transforma num puzzle, encaixam-se em desenhos abstractos no mais perfeito passa quem puder e onde os mais engenhosos tentam furar pelos espaços possíveis enquanto os semáforos vão pacientemente mudando de verde para laranja, depois vermelho, de novo verde e assim sucessivamente...
O caos se instalou e ninguém fica nervoso ou sai do carro para reclamar aos céus...simplesmente o ambiente está normalíssimo e os condutores esperam, é assim que funciona, alguns falam ao telemóvel ausentando-se dali pelos ouvidos, outros dormem um pouquinho e a maior parte parece ausente com os semblantes inexpressivos, hipnotizados...
Os polícias não estão para fazer fluir este mar, não existem, estão a controlar a velocidade dos incautos que se apressam em estradas desimpedidas da periferia e por isso mesmo uma tentação para se andar um pouco mais rápido ou estão em avenidas por onde circulam transportes de passageiros superlotados, mandando-os parar para exigir a sua autoridade em forma de dinheiro, enquanto os passageiros se explodem em apertos, cheiros e desespero de chegarem a casa...
Olho para o céu, que só vejo parte por entre os prédios e espero ver aparecer o super homem voando em nossa direcção com o braço esticado, furando o ar e vindo para nos salvar, mas não o vejo aparecer...
Vejo sim um saco plástico sebento que se cola no pára brisas e como sei que o transito está parado saio do carro e... meto o pé num buraco do alcatrão, ainda por cima cheio de água da chuva que vai caindo sem parar enquanto no passeio alguns putos se escangalham a rir...
Não me irrito, enervar-me para quê?
O sistema imunológico entra em acção e sacudo o pé, retiro o plástico voador do vidro e entro de novo no carro.
Ligo o rádio e oiço o locutor a dizer que segundo estudos apurados as alterações introduzidas no transito melhoraram bastante o tráfego, pois segundo esses estudiosos, agora as filas não são em dois sentidos e como tal reduziu-se o congestionamento de dois para um só sentido, desligo de imediato o aparelho...
Finalmente lá vou eu e passo, rolando calmamente com o sinal vermelho fixo, os semáforos só existem para animar a época natalícia, o transito processa-se á vez, um de cada vez e todos ao mesmo tempo...