Mostrar mensagens com a etiqueta Eduardo White. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Eduardo White. Mostrar todas as mensagens

sábado, 27 de setembro de 2014

Os eus do Eduardo White



















 
Hoje sou eu e não sou, estou em mim como uma realidade etérea dentro e física fora. Sai de casa um e voltei para ela outro. 
Dei conta desse facto, agora, quando me sentei junto ao computador e quis escrever e não pude.
 Entretanto, uma campainha fictícia tocou-me e abri o peito para espreitar quem era e era o outro que tocava.
 Esqueceste-te de mim, disse-me. 
Eu fitei-o alarmado porque nunca tal realidade se tinha dado assim tão evidente.
 Desculpa-me, respondi-lhe. 
Abri mais o peito e ele entrou-me e logo fiquei dois num ápice. Sentamos-nos os três. Eu, a matéria, e os dois outros que me ocupam e que são informes e intactáveis e que aqui falam comigo de modo estranho.










Acho inacreditável que não seja eu nenhum de vós dentro de mim, afirmo-lhes. 
E eles riem-se e eu calo-me estupefacto. Se sou dois e percebo, quem é este dentro de mim?
 Pergunto-lhes. Sim, porque se os vejo, sou e se com eles falo, penso e se penso e não sou eles, sou eu , então, mais um outro. 
Isto não me agrada, cogito. Mas... e com qual pensa este que agora sou? 
Outro, respondem-me eles. 
Eu vazo de inacreditar. Eu baralho-me de imperceber. Somos três, e' isso que somos? 
Sim, respondem eles. Tu és a parte material desse que és, neste exacto momento e esse que és, é a outra parte com que a tua matéria se pensa. 
Mas, porra, e então vocês? grito-lhes, irritado.









 Nós somos os outros que tu de vez em quando és e nós o tu que a gente é quando assim o queremos. 
Sou, pelos vistos, um hospedeiro? pergunto-lhes eu. 
Do teu ponto de vista, sim, porem, do nosso, não.
 A confusão engorda, a duvida alonga-se. E o que fazem então, aqui, vocês? pergunto-lhes.
 Eu venho escrever por ti e este vem fumar contigo e o que tu és, e és tu e estas ai e nós aqui.
 Caramba, ó meus senhores, eu já não percebo nada. Se eu sou eu o este que estou e vós sois eu o esses que são, quem sou eu? 
Todos nós, dizem eles, e nós todos tu. 
Brrrrr, merda danada. Já estou a espalhar-me de imperceber. Esperai, digo-lhes eu, eu vou dormir para ver se me arrumo e volte a entender esta salada toda. Nós vamos contigo, dizem-me eles. Porque? pergunto-lhes.
 Porque nós também precisamos de o fazer e se não fizermos contigo não o poderemos fazer com mais ninguém. Nós somos tu e tu és nós, lembras-te? 
E eu levanto-me, sem dizer nada, e venho deitar-me e eles comigo ou eu com eles, fico sem saber dizer. E durmo.

Eduardo White







sábado, 6 de setembro de 2014

...relendo Eduardo White











Crê. 

Deus me chega pela manha, pelo dia que se abre para o azul, para a pureza que de tudo emana, para o renovado e para o cantado.
Deus abraça-me com a frescura e se senta dentro de mim. Faço-lhe o café, aparo-lhe a barba e troco a sua túnica de cetim. Deus é, desse modo, todo cordial e distraído, percorre-me a casa, vasculha-me os livros, pede-me versos e num pássaro, num segundo, veste-lhe as asas.





Deus dormita cansado em frente à televisão, ressona tão forte como uma trovoada e por vezes chove ou se incendeia numa tempestade e eu acordo-o e Ele se levanta todo assustado. Depois quer brincar e pergunta-me pelas crianças e eu digo-Lhe: Deus, os meninos já estão crescidos. E Ele olha-me, fixamente, e questiona: E tu? E e eu brinco, não tenho outro remédio, e carrego-O ás cavalitas enquanto se ri, embora já pese muito esse meu Deus querido e gordo, e Ele esconde-se pelos quartos, pelas roupas penduradas ou desarrumadas, pelos jornais abandonados pela sala, pelos lençóis quentes em que dormi.









Deus é grande, mas é uma tão pura e ingénua criança que tem momentos que chora, descontrolado, chora os males do Mundo que Nele senti, chora a miseria, as guerras fratricidas, chora as crianças mortas, os homens tristes e desempregados, chora os crimes bárbaros, a sua igreja pedofilizada, chora os rios que não correm, os mares tristes e desrespeitados, chora os animais selvagens, o seu comercio, os seus abates, chora as árvores cortadas e os jardins bombardeados.

Depois pára e soluça e passo-Lhe a mão pelos longos e já brancos cabelos e Ele encosta o seu rosto enrugado ao carinho com que as abri. E como menino olha-me e fala-me: Eu já na acredito nos meus milagres, estes homens não gostam de si.











 E eu dou-lhe um beijo sentido e demorado e dou-Lhe um bocado de mim. Da minha esperança, da minha alegria por te-Lo ali, da minha verdade quando O recebo, das minhas dádivas que as suas mãos eu pedi.

E, então, Deus se levanta, enxuga as lágrimas, pede-me um copo de agua, despede-se longamente de tudo aqui em casa e parte deixando-nos abençoados e eu acreditando que O vi.
Deus é isto e e' nesse Deus que creio a quem rezo e, com Ele, amo quase tudo o que já vivi. Deus é bonito, esse meu Deus com quem cresci.

Bom dia, amigos e esteja Deus convosco e vos abençoe e também vos guarde como a mim.


Eduardo White








https://www.facebook.com/pages/Eduardo-Costley-White/476547045724526?ref=ts&fref=ts

segunda-feira, 25 de agosto de 2014

Eduardo White, o poeta maldito...










                                                             






 Faleceu ontem o meu amigo, companheiro de viagens interiores alucinantes, parceiro de saltos no abismo das almas e também meu inimigo em discussões geradas nas muitas nossas noites de excessos... 

Foi-se embora e nem se despediu, foi como quem já tivesse partido faz muitos anos, ficaram no limbo as suas palavras tantas vezes vomitadas, de impulso gritado a despropósito ou a propósito de nada ou a doçura de suas rimas, dançando feito borboletas do paraíso nos perfumando as almas...
Palavras que construía com mestria nata, perfeitas , melodiosas, com sabor e cheiro, vivas !!

Eduardo é para mim o maior poeta de Moçambique e é também um dos maiores poetas da língua portuguesa e nem mesmo a insensibilidade com que o nosso país se despediu dele  fará mudar isso.
O mundo se renderá à sua obra mágica, ímpar e o colocará no lugar que já lhe estava reservado desde antes dos tempos... 

Eduardo era um poeta da tribo dos poetas malditos, sereno e sóbrio era o gentlemen, ébrio era um furacão que ninguém aguentava...

Rodava pelas barracas e vielas escuras de Maputo, seus ambientes de eleição, como uma assombração divina , chegava e a poesia se enchia de musas pairando à sua volta, as noites poderiam ir de loucas a insanas ou de solenes às lágrimas do desespero existencial...

Eduardo de lágrima fácil era um angustiado compulsivo e ao mesmo tempo um boémio da música, de humor sarcástico, ferino e sempre acompanhado por aquele seu riso sacanoide...
Eduardo White, a nossa terra perdeu o verdadeiro artesão mestre das palavras, perdeu essa fabricação contínua de poesia que te saia aos borbotões a toda a hora, tinhas só uma língua, tu falavas poesia, eras a poesia !
Adeus Eduardo White !!!! 











Quando a morte me chegar, não me dêem flores e nem discursos para moldar. Levem-me para casa, para que todos os dias possa voltar aos meus lugares de onde parti. Chamem pelo nome do meu País para que eu sinta as ruas que em vida percorri, chamem por ele, devagar, para que a morte saiba que não morri.

Quando eu morrer, não quero beleza das mulheres que eu amei perto de mim, antes quero os filhos onde toda vida eu cresci e quero-os belos nessa hora, e fortes e grandes como um rio para os celebrar, como uma linha de frio que mesmo, morto me faça sorrir e quero-os vivos e cheios de si, que do escuro onde me descobri se acenderá uma vela trémula de Deus e de mim.

Não quero padres nem missas que me encomendem, quero o barulho dos amigos com quem vivi, os que me deram as mãos quando precisei, os que nunca voltaram as costas quando eu enfraqueci, os que comigo beberam, os que comigo receberam o que a vida me deu e não percebi.

Quando morrer, digam um a um o nome das mulheres simples dsa minha Pátria, essa que a tornaram carne e chão, pão e vento, essas que têm estradas infinitas dentro de si e uma cama generosa para podermos dormir. E não lembrem os meus versos nesse dia que eles foram demasiado pequenos paar o merecerem e nem me demorem demasiado a velar e nem se compadeçam com os motivos porque não haverá gente para me chorar.

Quando eu morrer, recordem-se, se o puderem, quero um pedaço da terra onde eu brinquei e fui menino sobre o meu peito, uma goiaba, um pássaro que se solte do meu cadáver e que para o azul se incendeie e com isso me faça subir não para as luzes das estrelas que nunca quiz, mas para o infinito que ambicionei e pelo qual me perdi. Quero os rostos dos alfaiates sorrindo-me das velhas máquinas, das velhas fumando seus grossos cigarros em papel de caqui, quero campainha de uma ginga na magreza robusta de um pescador e uma cachaça de cana e um bolinho de sura para que a vida saiba que eu vivi.

Quando eu morrer não quero a íngua do luto, quero a lembrança de ter sido feliz, muito ou pouco, mal ou bem, quero isso que fui, quero isso que tive, quero tudo o que não dei nem nunca recebi para que seja pura a morte e se adoce como um fino licor de aniz. 

Por isso, quando eu partir, lembrem-se de Deus porque eu o vi, bebam com ele um copo e dancem e catem e abracem o Mundo como ele se abraçou a mim e acreditem que estarei convosco, e acreditem que beberei convosco, e acreditem que abraçarei o Mundo da mesma maneira que o escrevi.

E quando tiver chegado a hora de me estenderem nesse eterno repouso, nesse perpétuo sono onde me dividi, eu lembrar-vos-ei melhor por isso, mesmo que nunca o tenham sido, e lembrar-me-ei de mim, feliz, nessa hora que nunca quiz.

Mas se houver quem disto se ria, quem disto fizer gozo desmesurado, antes de morrer eu recordo-lhes que não quero na morte o que na vida me recusaram, nem eles, nem brilhantes, nem foguetes, nem gente se lembrando dela para que do morto se esqueça, nem nada que seja grande porque nunca o fui e nem que julgue hipócritamente poder merecer.

O que quero, quando eu morrer, haverá de ser TUDO o que a morte me levar do quase NADA que a vida se prestou a roubar-me. Tão sómente isso, eu quererei quando eu morrer.

Eduardo White






http://videos.sapo.mz/C1QLW0wTDQRZJNSy85kP

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Maxwell - País de mim




Depois de Quelimane, um sorriso me encheu a alma, percebi que os ventos já não estão para chegar, chegaram ...
Não admira que em pleno Dezembro estivéssemos durante uns dias com temperaturas de Junho, eram os ventos  tão ansiosamente esperados a percorrer o país para anunciar a boa nova ...
Podemos sonhar o nosso belo, maravilhoso, único Moçambique !!


País de mim

O peso da vida!
Gostava de senti-lo à tua maneira
e ouvi-la crescer dentro de mim,
em carne viva,

não queria somente
rasgar-te a ferida,
não queria apenas esta vocação paciente
do lavrador,
mas, também, a da terra
e que é a tua


Assume o amor como um ofício
onde tens que te esmerar,

repete-o até à perfeição,
repete-o quantas vezes for preciso
até dentro dele tudo durar
e ter sentido

Deixa nele crescer o sol
até tarde,
deixa-o ser a asa da imaginação,
a casa da concórdia,

só nunca deixes que sobre
para não ser memória.

Eduardo White







sábado, 29 de outubro de 2011

Eduardo White - song by Cheikh Lo




Meu amigo Eduardo White, da noite andarilho, de imaginações formado,  fez seu blog e faço questão de o referenciar, render-lhe minha singela homenagem, ele que é para mim o maior poeta vivo do meu País e um dos maiores da língua portuguesa...
Quelimanense, maputense de vivência, atento e lúcido, passageiro das naus que apuram a sensibilidade, improvável e irónico...
Do seu blog retirei esta pérola da letras...


                                          
                                                                          Pois...


Um homem é velho e está sentado sobre o seu analfabetismo. No entanto, escreve sobre um jardim. Palavras que, desconhecendo, o tornam belo pela pequena tesoura minuciosa com que apara as flores que as compõem. Um homem velho, suado na velha camiseta, vai, assim, perfumando a escrita. Pergunto-lhe: Que escreve? Flores, é como me responde curvado até aos enrugados dedos acariciando as palavras que vão crescendo. Fico ali, parado, olhando-o do analfabeto que agora sou. Um homem escreve flores e cores e perfumes, sentado e descalço e dentro da pobreza que veste. Fantástico, penso, este velho que alguma magia certamente o tem cantado por dentro. E as flores riem, pequenas e verdes e brancas e por um vermelho que lhes foge pelo bordo das folhas. Eu adapto-as, diz-me ele. Não percebo, respondo-lhe. Eu adapto estas flores a estas letras porque não são próprias para as palavras. São tenras e, sendo assim, os insectos comem a minha escrita. Sou o profundo espanto. Um homem escrevendo com flores e insectos comendo o que fica tão ternamente escrito nelas. Ele percebe este susto que revela, admirado, o meu rosto. Escrevo com flores faz muitos anos, mas nunca soube ler. Diz-me. Só mesmo as flores é que eu consigo entender. E um riso desce, então, pela boca do velho dobrado pela hérnia discal que agora noto e vem cumprimentar-me a mão com que eu redijo no computador. Não flores como eu gostaria que fosse, mas a ignorância total e a absoluta certeza de que jamais o saberei fazer. Ao nosso lado, uma criança abre a janela de sua casa e grita: Bom dia galinhas, enquanto um galo canta arrebatador agradecendo o cumprimento. Que lugar será este donde vejo tudo isto?

http://dancarcomachuva.blogs.sapo.pt/