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quarta-feira, 23 de outubro de 2019

Os livros não têm caras





                                                                                 The Passion of Creation by Leonid Pasternak






Os livros, o mundo interior de alguém,
pouco importa de onde brota esse rio de palavras,
não carece
Os livros são recipientes surreais e arrumam,
a dança e o sol, a história,
o gesto e pensamentos em voz alta








Os livros escondem mostrando,
a angústia e o anseio na forma, o delírio do autor,
as lágrimas silenciosas, 
choradas vezes sem conta, repetidas 
no papel manchado, rasuradas,
perdidas no mundo interior 
sob o olhar crítico das musas








Os livros e quem os escreve não têm nada a ver,
como a chuva quando cai e é só a chuva que cai,
como o poema de regozijo e esperança,  
abandonado na mesa do suicida,
não lhe pertence mais, não é mais quem o escreveu
Ouvir falar aquele que escreveu nada acrescenta,
altera sim a viagem interior de quem o leu,
humaniza o que antes era transcendente








Os livros dos que permaneceram no limbo da morte
serão sempre o livro e o autor num só, eternos
                 Os livros são intocáveis e os autores vivos não,
a obra e o autor serão sempre desconhecidos entre si
não vale a pena procurar neles a explicação
O poema é dono e senhor de si próprio,
não tem corpo que o sustenha,
precisa apenas de um feixe de luz para se dizer














segunda-feira, 25 de agosto de 2014

Eduardo White, o poeta maldito...










                                                             






 Faleceu ontem o meu amigo, companheiro de viagens interiores alucinantes, parceiro de saltos no abismo das almas e também meu inimigo em discussões geradas nas muitas nossas noites de excessos... 

Foi-se embora e nem se despediu, foi como quem já tivesse partido faz muitos anos, ficaram no limbo as suas palavras tantas vezes vomitadas, de impulso gritado a despropósito ou a propósito de nada ou a doçura de suas rimas, dançando feito borboletas do paraíso nos perfumando as almas...
Palavras que construía com mestria nata, perfeitas , melodiosas, com sabor e cheiro, vivas !!

Eduardo é para mim o maior poeta de Moçambique e é também um dos maiores poetas da língua portuguesa e nem mesmo a insensibilidade com que o nosso país se despediu dele  fará mudar isso.
O mundo se renderá à sua obra mágica, ímpar e o colocará no lugar que já lhe estava reservado desde antes dos tempos... 

Eduardo era um poeta da tribo dos poetas malditos, sereno e sóbrio era o gentlemen, ébrio era um furacão que ninguém aguentava...

Rodava pelas barracas e vielas escuras de Maputo, seus ambientes de eleição, como uma assombração divina , chegava e a poesia se enchia de musas pairando à sua volta, as noites poderiam ir de loucas a insanas ou de solenes às lágrimas do desespero existencial...

Eduardo de lágrima fácil era um angustiado compulsivo e ao mesmo tempo um boémio da música, de humor sarcástico, ferino e sempre acompanhado por aquele seu riso sacanoide...
Eduardo White, a nossa terra perdeu o verdadeiro artesão mestre das palavras, perdeu essa fabricação contínua de poesia que te saia aos borbotões a toda a hora, tinhas só uma língua, tu falavas poesia, eras a poesia !
Adeus Eduardo White !!!! 











Quando a morte me chegar, não me dêem flores e nem discursos para moldar. Levem-me para casa, para que todos os dias possa voltar aos meus lugares de onde parti. Chamem pelo nome do meu País para que eu sinta as ruas que em vida percorri, chamem por ele, devagar, para que a morte saiba que não morri.

Quando eu morrer, não quero beleza das mulheres que eu amei perto de mim, antes quero os filhos onde toda vida eu cresci e quero-os belos nessa hora, e fortes e grandes como um rio para os celebrar, como uma linha de frio que mesmo, morto me faça sorrir e quero-os vivos e cheios de si, que do escuro onde me descobri se acenderá uma vela trémula de Deus e de mim.

Não quero padres nem missas que me encomendem, quero o barulho dos amigos com quem vivi, os que me deram as mãos quando precisei, os que nunca voltaram as costas quando eu enfraqueci, os que comigo beberam, os que comigo receberam o que a vida me deu e não percebi.

Quando morrer, digam um a um o nome das mulheres simples dsa minha Pátria, essa que a tornaram carne e chão, pão e vento, essas que têm estradas infinitas dentro de si e uma cama generosa para podermos dormir. E não lembrem os meus versos nesse dia que eles foram demasiado pequenos paar o merecerem e nem me demorem demasiado a velar e nem se compadeçam com os motivos porque não haverá gente para me chorar.

Quando eu morrer, recordem-se, se o puderem, quero um pedaço da terra onde eu brinquei e fui menino sobre o meu peito, uma goiaba, um pássaro que se solte do meu cadáver e que para o azul se incendeie e com isso me faça subir não para as luzes das estrelas que nunca quiz, mas para o infinito que ambicionei e pelo qual me perdi. Quero os rostos dos alfaiates sorrindo-me das velhas máquinas, das velhas fumando seus grossos cigarros em papel de caqui, quero campainha de uma ginga na magreza robusta de um pescador e uma cachaça de cana e um bolinho de sura para que a vida saiba que eu vivi.

Quando eu morrer não quero a íngua do luto, quero a lembrança de ter sido feliz, muito ou pouco, mal ou bem, quero isso que fui, quero isso que tive, quero tudo o que não dei nem nunca recebi para que seja pura a morte e se adoce como um fino licor de aniz. 

Por isso, quando eu partir, lembrem-se de Deus porque eu o vi, bebam com ele um copo e dancem e catem e abracem o Mundo como ele se abraçou a mim e acreditem que estarei convosco, e acreditem que beberei convosco, e acreditem que abraçarei o Mundo da mesma maneira que o escrevi.

E quando tiver chegado a hora de me estenderem nesse eterno repouso, nesse perpétuo sono onde me dividi, eu lembrar-vos-ei melhor por isso, mesmo que nunca o tenham sido, e lembrar-me-ei de mim, feliz, nessa hora que nunca quiz.

Mas se houver quem disto se ria, quem disto fizer gozo desmesurado, antes de morrer eu recordo-lhes que não quero na morte o que na vida me recusaram, nem eles, nem brilhantes, nem foguetes, nem gente se lembrando dela para que do morto se esqueça, nem nada que seja grande porque nunca o fui e nem que julgue hipócritamente poder merecer.

O que quero, quando eu morrer, haverá de ser TUDO o que a morte me levar do quase NADA que a vida se prestou a roubar-me. Tão sómente isso, eu quererei quando eu morrer.

Eduardo White






http://videos.sapo.mz/C1QLW0wTDQRZJNSy85kP

domingo, 11 de novembro de 2012

Borges de novo ao Domingo...















Jorge Luís Borges escreve dum modo que me tira todo ensejo de tentar rabiscar minhas divagações, fico seco...
Hoje reli pela milésima vez,  poemas e trechos de um dos quatro volumes da sua antologia,  que são meus livros de cabeceira e me pasmo sempre com tanta sensibilidade, criatividade, erudição.
Todos atributos de grandeza se aplicam à obra deste génio do pensamento e das letras

















  















Num deserto lugar do Irão há uma não muito alta torre de pedra, sem portas nem janelas.
No único compartimento (cujo chão é de terra e tem a forma de um círculo) há uma mesa de madeira e um banco.
Nessa cela circular, um homem parecido comigo escreve em caracteres que não compreendo um longo poema sobre um homem que noutra cela circular escreve um poema sobre um homem que noutra cela circular...
O processo não tem fim e ninguém poderá ler o que os prisioneiros escrevem.




















Só uma coisa não há: e esta é o olvido.
Deus, que salva o metal, e salva a escória,
cifra em Sua profética memória
as luas que serão e as que têm sido.
Já tudo fica. A sequência infinita
de imagens que entre a aurora e o fim do dia
teu rosto nos espelhos deposita
e as que depois ainda deixaria.
E tudo é só uma parte do diverso
cristal desta memória: o universo.
Não têm fim os seus árduos corredores,
e se fecham as portas ao passares;
e só quando na noite penetrares,
do Arquétipo verás os esplendores.



























Não há-de te salvar o que deixaram 
Escrito aqueles que o teu medo implora; 
Não és os outros e encontras-te agora 
No meio do labirinto que tramaram 
Teus passos. Não te salva a agonia 
De Jesus ou de Sócrates ou o forte 
Siddharta de ouro que aceitou a morte 
Naquele jardim, ao declinar o dia. 
Também é pó cada palavra escrita 
Por tua mão ou o verbo pronunciado 
Pela boca. Não há pena no Fado 
E a noite de Deus é infinita. 
Tua matéria é o tempo, o incessante 
Tempo. E és cada solitário instante. 
















fotos da tribo do rio Om de Hans Silvester  .



terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

São Valentim - sweet music








Maputo é sempre uma surpresa, o dia hoje nas lojas especiais para a ocasião estavam a bombar...

O maputense adoptou este dia, ele  gosta do dia dos namorados e então é uma loucura, é tipo compras da véspera do natal...
Ao fim da tarde a cidade enlouqueceu e segundo informações in loc o negócio de flores estava uma feira...
É o amor verdadeiro ou a curtição da data que move esta gente toda ?



                                                                          foto Carlos Serra



Ambos , e pena seja que não estejam todos  a sentir profundamente o São Valentim; celebrar a data e presentear o namorado é lindo...

Estar a amar profundamente, saber-se amado, viver intensamente essa aura é a essência para a celebração deste dia.







O Dia dos Namorados para cumprir calendário é a afirmação de que não se é namorado de nada...
O stress também reina por aqui, alguns dos que não têm namorados não aguentam a pressão dos vendedores ambulantes de rosas nem  das lingeries ousadas nas vitrinas dos shoppings e explodem de mau humor ...
Outros, solitários esperançosos ficam ansiosos e sonham que São Valentim lhes trará o príncipe ou a princesa dos seus sonhos ...







O amor, os corpos ardentes, os namoros, os amantes, os que pecam para amar, o calor africano, os que fogem atrás  da sua razão de viver, do seu escolhido, o jantar à luz das velas, a noite numa suite cinco estrelas , numa praia deserta, no elan dum simples quarto , amar até na lua,  este é o dia mágico que eleva o encontro dos amantes á condição de cerimónia de oferenda aos deuses do amor... 
Maputo é isso tudo, com exagero, com ingenuidade, com entrega total, felizes...
Celebre-se o amor !!!