terça-feira, 19 de maio de 2020

Blues, play the blues!






                                                                 The Cotton Pickers, 1864 by Winslow Homer



Os blues são o plasma, o sentimento da seiva,
são o sopro dos buzios ao vento nas rochas,
na maré baixa
São dedilhados harpejos,
soam a sumarentos pomos
do canho maduro, 
embriagam, 
amolecem na cadencia do lamento
a paisagem,
prenhe de justiça, 
despovoada de gente feliz, 
sim, de gente  sedenta de amor 











Prenhe de almas que fecundam, 
o canto sofrido nos algodoais por colher
ao por do sol ensanguentado de oiro, 
cobertos de farrapos, os olhares esbugalhados, 
o pé bate e mantém o compasso na poeira do chão
massacrado pelo labor forçado,
o compasso é gemido até à raiz dos calos das mãos
que pedem perdão,
pelos pecadores que nunca pecaram e pelos outros












Os blues no escuro sob o azul do silencio da noite,
das chagas nas costas e da fome nos estomagos,
evocam os espíritos na forma mais subtil e crua,
acordam as torrentes esquecidas na seca prolongada
do esquecimento e os lamentos do escravo,
ouvem-se,
metamorfoseados na beleza de guitarras
a gemer,
ferem o belo cheio de emoções sem nomes, 
impalpáveis acordes da dor cicatrizada,
na cama com séculos nos lábios mordidos de raiva,
nas quentes lágrimas bentas 












Cristos fomos tantos! Cristos somos ainda tantos!













Os blues das planícies brancas da flor que te não vestirá, 
do acirro no faro dos cães enraivecidos de propósito
As mulheres abrem os olhos no rosto opaco, seco
e cantam numa só voz o choro das mães, 
o choro dos filhos marcados pelas chibatas
No solo longo das cordas de aço do violão,
no embalo do vento da madrugada,
pendurados nas forcas sob o crepusculo flutuante
das labaredas nas cruzes do ódio, os enforcados oscilam
e os blues ouvem-se na raiz das arvores, 
nas pedras no fundo do riacho, nos corações mais puros
Os blues são orações aos deuses perdidos, 
aos deuses que nos esqueceram