sábado, 6 de setembro de 2014

...relendo Eduardo White











Crê. 

Deus me chega pela manha, pelo dia que se abre para o azul, para a pureza que de tudo emana, para o renovado e para o cantado.
Deus abraça-me com a frescura e se senta dentro de mim. Faço-lhe o café, aparo-lhe a barba e troco a sua túnica de cetim. Deus é, desse modo, todo cordial e distraído, percorre-me a casa, vasculha-me os livros, pede-me versos e num pássaro, num segundo, veste-lhe as asas.





Deus dormita cansado em frente à televisão, ressona tão forte como uma trovoada e por vezes chove ou se incendeia numa tempestade e eu acordo-o e Ele se levanta todo assustado. Depois quer brincar e pergunta-me pelas crianças e eu digo-Lhe: Deus, os meninos já estão crescidos. E Ele olha-me, fixamente, e questiona: E tu? E e eu brinco, não tenho outro remédio, e carrego-O ás cavalitas enquanto se ri, embora já pese muito esse meu Deus querido e gordo, e Ele esconde-se pelos quartos, pelas roupas penduradas ou desarrumadas, pelos jornais abandonados pela sala, pelos lençóis quentes em que dormi.









Deus é grande, mas é uma tão pura e ingénua criança que tem momentos que chora, descontrolado, chora os males do Mundo que Nele senti, chora a miseria, as guerras fratricidas, chora as crianças mortas, os homens tristes e desempregados, chora os crimes bárbaros, a sua igreja pedofilizada, chora os rios que não correm, os mares tristes e desrespeitados, chora os animais selvagens, o seu comercio, os seus abates, chora as árvores cortadas e os jardins bombardeados.

Depois pára e soluça e passo-Lhe a mão pelos longos e já brancos cabelos e Ele encosta o seu rosto enrugado ao carinho com que as abri. E como menino olha-me e fala-me: Eu já na acredito nos meus milagres, estes homens não gostam de si.











 E eu dou-lhe um beijo sentido e demorado e dou-Lhe um bocado de mim. Da minha esperança, da minha alegria por te-Lo ali, da minha verdade quando O recebo, das minhas dádivas que as suas mãos eu pedi.

E, então, Deus se levanta, enxuga as lágrimas, pede-me um copo de agua, despede-se longamente de tudo aqui em casa e parte deixando-nos abençoados e eu acreditando que O vi.
Deus é isto e e' nesse Deus que creio a quem rezo e, com Ele, amo quase tudo o que já vivi. Deus é bonito, esse meu Deus com quem cresci.

Bom dia, amigos e esteja Deus convosco e vos abençoe e também vos guarde como a mim.


Eduardo White








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1 comentário:

  1. Eu gosto desse Deus bonito desenhado nas palavras do seu amigo. Comovente que só! Deus é gordo? Gostei disso que só!

    E as músicas... você sempre as escolhe com maestria.

    Sinto muito pelo Eduardo, mas as palavras dele é coisa de nunca morrer.

    Um beijo, Mickey, meu bem.

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