
Samora Machel proclamando a Independência de Moçambique
25 de Junho de 1975, estava lá no estádio da Machava, esperamos à chuva, agrupados ao estilo russo por Grupo Dinamizadores dos Bairros e a chuva a cair miúda, sem parar…
depois já dentro do Estádio vi os recém chegados ilustres filhos da Pátria, a figura daqueles que na mata tinham lutado para que chegássemos aquele
momento solene…
ouvimos a voz carismática de Samora Machel a proclamar a nossa Independência …
a bandeira de Portugal foi arriada e em êxtase hasteamos todos a nossa primeira bandeira, a de Nação Soberana, da República Popular de Moçambique, a nação nascia marxista -leninista !!!
Muita coisa aconteceu e escrevemos a nossa história recente com sangue e com determinação.
Hoje somos mais maduros, temos mais tranquilidade para pensar e tomar decisões e somos a República de Moçambique, nação jovem, terra prometida para muitos, nossa terra onde ainda esperamos que seja profícua para os seus filhos…
Manancial de possibilidades para o mundo inteiro mas ainda muito aquém do bem que poderia gerar na vida dos moçambicanos…
Como diz o Mia Couto, existem muitos enriquecidos quando precisávamos sim era de ricos, geradores de riqueza, ricos por trabalho realizado, ricos que contribuem na criação de empregos, que constroem obra visível e com pertinência para o desenvolvimento do país, etc...
Vivi isso com os meus 17 anos e nesse momento inesquecível, como numa viagem psicadélica, sonhei a minha pátria essa pátria aqui evocada no poema de José Craveirinha, o nosso poeta-mor !!!!
SIA-VUMA
Enquanto
instintivas andorinhas
incansáveis fulgem as asas
contra a taciturna saca azul
engomada a pulso sobre nós
com alcunha portuguesa de céu
suburbaninhos largam-se à mecha dos pneus à mão
ou pilotos analfabetizados mesmo assim guiam
à pata os friendships de caixote
SIA-VUMA!
E o nosso amor de homens
descerra os olhos ao nu mais feminino
de um par de pernas nacionais abertas
na insolação viril do xigubo
SIA-VUMA!
E noivas
cingem aos rins
a vertigem púrpura das capulanas
e reprimem nos bantos corações
uma a uma as missangas da tristeza
e talham a dente a xicatauana da paciência
que o tempo de amar não se extingue
e na espera o longo sono excessivo
do mais verdadeiro amor também compensa
alucinante visão de um novo horizonte
SIA-VUMA!
E carnudos
gomos de lábios escarlates de virgindade
nas nossas pálpebras
boca e músculos tlhatlhuvem a verdade
da coacta insónia do zampungana
SIA-VUMA!
E não mais o lovolo
e a estiva de manhã à noite
sem o gozo comum dos sexos
e coxas delas penetradas
a invencíveis machos de liberdade
SIA-VUMA!
E as maxilas
das fêmeas a tin-gomas de desejo
que nos mordam a carne no delírio
indelével dos dentes
e fembem-nos o torso e os punhos
à lei dos tintlholos irados
contra as maiúsculas das letras
e algarismos nas blusas de contratados
SIA-VUMA!
E o comboio dos magaízas
será transporte escolar dos meninos da linha
e os compondes celeiros do nosso milho
SIA-VUMA!
E um círculo de braços
negros, amarelos, castanhos e brancos
aos uivos da quizumba lançada ao mar
num amplexo a electrogéneo
apertará o imbondeiro sagrado de Moçambique
à música das timbilas
violas, transístores e xipendanas
SIA-VUMA
E dançaremos o mesmo tempo da marrabenta
sem a espera do calcanhar da besta
do medo a cavalo em nós
SIA-VUMA!
E seremos viajantes por conta própria
jornalistas, operários com filhas também dançarinas de ballet
arquitectos, poetas com poemas publicados
compositores e campeões olímpicos
SIA-VUMA!
E construiremos escolas
hospitais e maternidades ao preço
de serem de graça para todos
e estaleiros, fábricas, universidades
pontes, jardins, teatros e bibliotecas
SIA-VUMA!
E guiaremos as nossas charruas
editaremos os nossos livros
semearemos de arroz os nossos campos
sintonizaremos a voz dos nossos emissores
e bateremos também o crawl nas piscinas
SIA-VUMA!
E ergueremos estátuas aos nossos técnicos
estâncias para os nossos velhos
estádios para os nossos jovens
e represas alegóricas ao pai
à mãe e ao filho não evocados nas maldições
infinitas que devastaram a África
SIA-VUMA!
E distribuiremos amuletos de aritmética
e invocaremos o exorcismo dos altos-fornos
a antropologia cultural de um changana
a uma virgem maconde moçambicanamente
e a lógica diesel das geradoras na Manhiça
SIA-VUMA!
E armados de martelo e chaves-de-boca
montaremos água canalizada no Xipamanine todo
desviaremos o machimbombo 7 para a Polana
e o machimbombo 2 da Polana para o Alto-Maé
e controlaremos a lavra de quilovátios todos os dias
semeando amperes no Chamanculo inteiro
SIA-VUMA!
E inocularemos
e nós para o mundo a vacina
contra os vírus suásticos
e pendurada exibiremos ao povo dos belos bairros
a relíquia fóssil da gengiva de nojo
dos que traírem o folclore deste poema
SIA-VUMA!
E à propaganda deste abecedário
inoxidáveis ao medo
levantemo-nos ao acetileno das palavras
insurrectos em massa
SIA-VUMA!
E deixem em nós gerar-se
irresistível a prole das sementes do beijo
consanguíneo do Grande Dia
SIA-VUMA!
Que um enxame de mãos em prece
na orgia fantástica dos augúrios do nhanga
há-de voltar deste exílio
mais moçambicano connosco
SIA-VUMA!
Passaram 37 anos e eu queria que o meu País fosse mais justo e que o objectivo de vida vigente, que é o de atingir a riqueza a qualquer preço, fosse substituído pelo nascer de uma consciência nacionalista e que nos preocupássemos mais em desenvolver os valores humanos e no ensinamento do sentido profundo do significado da pátria…
Queria também que aqueles que traçam o nosso futuro, não perdessem completamente o sentido da realidade e que conseguissem perceber o caminho por onde estão a levar um povo inteiro…
Que reflectissem com sentimento e com respeito…
O meu sonho de pátria mantém-se intacto e sei que encontraremos o nosso caminho, que as ervas daninhas serão arrancadas pela raiz e que definitivamente trilharemos esse almejado caminho do desenvolvimento, da justiça, da verdade…
Sou feliz por ter nascido aqui e por pertencer a este povo humilde, alegre, generoso e trabalhador…
Parabéns Moçambique, parabéns por termos conseguido nos mantermos e em paz, apesar dos pesares…
Aos trancos e barrancos vamos crescendo e vamos nos acertando…