Hoje sou eu e não sou, estou em mim como uma realidade etérea dentro e física fora. Sai de casa um e voltei para ela outro. Dei conta desse facto, agora, quando me sentei junto ao computador e quis escrever e não pude.
Entretanto, uma campainha fictícia tocou-me e abri o peito para espreitar quem era e era o outro que tocava.
Esqueceste-te de mim, disse-me.
Eu fitei-o alarmado porque nunca tal realidade se tinha dado assim tão evidente.
Desculpa-me, respondi-lhe.
Abri mais o peito e ele entrou-me e logo fiquei dois num ápice. Sentamos-nos os três. Eu, a matéria, e os dois outros que me ocupam e que são informes e intactáveis e que aqui falam comigo de modo estranho.
Acho inacreditável que não seja eu nenhum de vós dentro de mim, afirmo-lhes.
E eles riem-se e eu calo-me estupefacto. Se sou dois e percebo, quem é este dentro de mim?
Pergunto-lhes. Sim, porque se os vejo, sou e se com eles falo, penso e se penso e não sou eles, sou eu , então, mais um outro.
Isto não me agrada, cogito. Mas... e com qual pensa este que agora sou?
Outro, respondem-me eles.
Eu vazo de inacreditar. Eu baralho-me de imperceber. Somos três, e' isso que somos?
Sim, respondem eles. Tu és a parte material desse que és, neste exacto momento e esse que és, é a outra parte com que a tua matéria se pensa.
Mas, porra, e então vocês? grito-lhes, irritado.
Nós somos os outros que tu de vez em quando és e nós o tu que a gente é quando assim o queremos.
Sou, pelos vistos, um hospedeiro? pergunto-lhes eu.
Do teu ponto de vista, sim, porem, do nosso, não.
A confusão engorda, a duvida alonga-se. E o que fazem então, aqui, vocês? pergunto-lhes.
Eu venho escrever por ti e este vem fumar contigo e o que tu és, e és tu e estas ai e nós aqui.
Caramba, ó meus senhores, eu já não percebo nada. Se eu sou eu o este que estou e vós sois eu o esses que são, quem sou eu?
Todos nós, dizem eles, e nós todos tu.
Brrrrr, merda danada. Já estou a espalhar-me de imperceber. Esperai, digo-lhes eu, eu vou dormir para ver se me arrumo e volte a entender esta salada toda. Nós vamos contigo, dizem-me eles. Porque? pergunto-lhes.
Porque nós também precisamos de o fazer e se não fizermos contigo não o poderemos fazer com mais ninguém. Nós somos tu e tu és nós, lembras-te?
E eu levanto-me, sem dizer nada, e venho deitar-me e eles comigo ou eu com eles, fico sem saber dizer. E durmo.
Eduardo White