quarta-feira, 9 de maio de 2012

Poeta maldito - músicas rebeldes








                                               Charles Baudelaire






A tolice, o pecado, o logro, a mesquinhez 
Habitam nosso corpo e o espírito viciam, 
E adoráveis remorsos sempre nos saciam, 
Como o mendigo exibe a sua sordidez. 
Fiéis ao pecado, a contrição nos amordaça; 
Impomos alto preço à infâmia confessada, 
E alegres retornamos à lodosa estrada, 
Na ilusão de que o pranto as nódoas nos desfaça. 
Na almofada do mal é Satã Trismegisto 
Quem docemente nosso espírito consola, 
E o metal puro da vontade então se evoca 
Por obra deste sábio que age sem ser visto. 
É o diabo que nos move e até nos manuseia!





Em tudo que repugna, uma jóia encontramos; 
Dia após dia, para o Inferno caminhamos, 
Sem medo algum, dentro da treva que nauseia. 
Assim como um voraz devasso beija e suga 
O seio murcho que lhe oferta uma vadia, 
Furtamos ao acaso uma carícia esguia 
Para espremê-la qual laranja que se enruga. 
Espesso, a fervilhar, qual um milhão de helmintos, 
Em nosso crânio um povo de demónios cresce, 
E, ao respirarmos, aos pulmões a morte desce, 
Rio invisível, com lamentos indistintos. 
Se o veneno, a paixão, o estupro, a punhalada 
Não bordaram ainda com desenhos finos 
A trama vã de nossos míseros destinos, 
É que nossa alma arriscou pouco ou quase nada.




Em meio às hienas, às serpentes, aos chacais, 
Aos símios, escorpiões, abutres e panteras, 
Aos monstros ululantes e às viscosas feras, 
No lodaçal de nossos vício ancestrais, 
Um há mais feio, mais iníquo, mais imundo! 
Sem grandes gestos ou sequer lançar um grito, 
Da Terra, por prazer, faria um só detrito 
E num bocejo imenso engoliria o mundo; 
É o Tédio! - O olhar esquivo à mínima emoção, 
Com patíbulos sonha, ao cachimbo agarrado. 
Tu o conheces, leitor, ao monstro delicado 
- Hipócrita leitor, meu igual, meu irmão.







É preciso estar sempre embriagado. Eis aí tudo: é a única questão. 
Para não sentirdes o horrível fardo do Tempo que rompe os vossos ombros e vos inclina para o chão, é preciso embriagar-vos sem trégua.
Mas de quê? 
De vinho, de poesia ou de virtude, à vossa maneira. Mas embriagai-vos.
E se, alguma vez, nos degraus de um palácio, sobre a grama verde de um precipício, na solidão morna do vosso quarto, vós acordardes, a embriaguez já diminuída ou desaparecida, perguntai ao vento, à onda, à estrela, ao pássaro, ao relógio, a tudo que foge, a tudo que geme, a tudo que anda, a tudo que canta, a tudo que fala, perguntai que horas são; e o vento, a onda, a estrela, o pássaro, o relógio, responder-vos-ão: 
'É hora de embriagar-vos! 
Para não serdes os escravos martirizados do Tempo, embriagai-vos: embriagai-vos sem cessar! De vinho, de poesia ou de virtude, à vossa maneira'.

 Charles Baudelaire





4 comentários:

  1. Que forte! Cortante! Visceral... Eu também quero me embriagar, me embriagar sem cessar, de vinhos, poesias, virtudes, risos e abraços.

    Beijo, Tony querido.

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  2. "O mundo não marcha senão pelo mal-entendido.É pelo mal-entendido universal que o mundo inteiro se entende. Pois se, por desgraça, os homens se compreendessem,não poderiam jamais entender-se". C.Baudelaire, Meu coração desnudado!
    Esse poeta não era brinquedo nauuummm. E você, amado, com suas escolhas também!
    Beijuuss n.a.

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  3. Oi Tony,

    A Milene o colocou no palco e eu vim correndo assistir, pelo que li e ouvi aqui até agora estou adorando o espetáculo!

    Não posso deixar de juntar-me ao coro de palmas ao redor de vocês dois enquanto dançam na chuva para chamar o sol, o seu sol de dentro, tão brilhante ele será, como sol que intenso brilha nessa sua terra de além-mar.

    Prazer em conhecer!

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  4. Ah! Adorei conhecer na íntegra o texto do Baudelaire, ele conclui com uma frase que adoro. A última frase era a única parte deste texto que eu conhecia, agora ela ganhou ainda muito mais sentido do que já tinha para mim.

    Abçs

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