domingo, 4 de dezembro de 2011

Craveirinha - song by George Benson




Relembrar Craveirinha, é relembrar que no passado houve homens que sonharam este país diferente, diferente do regime colonial e também diferente deste que temos...
Passados 36 anos de Independência ainda não é este o país  que foi sonhado por José Craveirinha, Noémia de Sousa, Rui Knofli, Eduardo Mondlane,  etc...
Reler estes poemas que foram escritos durante o colonialismo, e que por causa deles Craveirinha pagou na pele a sua ousadia, a de desafiar o regime com palavras, talvez sirva para reflectirmos um pouco sobre o tempo que já passou e o quanto falta fazer para termos realmente o país sonhado...


O meu preço

Eu cidadão anónimo
do País que mais amo sem dizer o nome
se é para me dar de corpo e alma
dou-me todo como daquela vez em Chaimite.
Dou-me em troca de mil crianças felizes
nenhum velho a pedir esmola
uma escola em cada bairro
salário justo nas oficinas
filas de camiões carregados de hortaliças
um exército de operários todos com serviço
um tesouro de belas raparigas maravilhando as praias
e ao vento da minha terra uma grande bandeira sem quinas.
Se é para me dar
dou-me de graça por conta disso.
Mas se é para me vender
vendo-me mas vendo-me muito caro.









HINO À MINHA TERRA

O sangue dos nomes
é o sangue dos homens.
Suga-o tu também se és capaz
tu que não nos amas.

Amanhece
sobre as cidades do futuro.
E uma saudade cresce no nome das coisas
e digo Metengobalame e Macomia
e é Metengobalame a cálida palavra
que os negros inventaram
e não outra coisa Macomia.

E grito Inhamússua, Mutamba, Massangulo!!!
E torno a gritar Inhamússua, Mutamba, Massangulo!!!
E outros nomes da minha terra
afluem doces e altivos na memória filial
e na exacta pronúncia desnudo-lhes a beleza.
Chulamáti! Manhoca! Chinhambanine!
Morrumbala, Namaponda e Namarroi
e o vento a agitar sensualmente as folhas dos canhoeiros
eu grito Angoche, Marrupa, Michafutene e Zóbuè
e apanho as sementes do cutlho e a raíz da txumbula
e mergulho as mãos na terra fresca de Zitundo.
Oh, as belas terras do meu áfrico País
e os belos animais astutos
ágeis e fortes dos matos do meu País
e os belos rios e os belos lagos e os belos peixes
e as belas aves dos céus do meu país
e todos os nomes que eu amo belos na língua ronga
macua, suaíli, changana,
xitsua e bitonga
dos negros de Camunguine, Zavala, Meponda, Chissibuca
Zongoene, Ribáuè e Mossuril.
– Quissimajulo! Quissimajulo! – gritamos
nossas bocas autenticadas no hausto da terra.
– Aruángua! – Responde a voz dos ventos na cúpula das micaias.

E no luar de cabelos de marfim nas noites de Murrupula
e nas verdes campinas das terras de Sofala a nostalgia sinto
das cidades inconstruídas de Quissico
dos chindjiguiritanas no chilro tropical de Mapulanguene
das árvores de Namacurra, Muxilipo, Massinga
das inexistentes ruas largas de Pindagonga
e das casas de Chinhanguanine, Mugazine e Bala-Bala
nunca vistas nem jamais sonhadas ainda.
Oh! O côncavo seio azul-marinho da baía de Pemba
e as correntes dos rios Nhacuaze, Incomáti, Matola, Púnguè
e o potente espasmo das águas do Limpopo.
Ah! E um cacho das vinhas de espuma do Zambeze coalha ao sol
e os bagos amadurecem fartos um por um
amuletos bantos no esplendor da mais bela vindima.

E o balir pungente do chango e da impala
o meigo olhar negro do xipene
o trote nervoso do egocero assustado
a fuga desvairada do inhacoso bravo no Funhalouro
o espírito de Mahazul nos poentes da Munhuana
o voar das sécuas na Gorongoza
o rugir do leão na Zambézia
o salto do leopardo em Manjacaze
a xidana-kata nas redes dos pescadores da Inhaca
a maresia no remanso idílico de Bilene Macia
o veneno da mamba no capim das terras do régulo Santaca
a música da timbila e do xipendana
o ácido sabor da nhantsuma doce
o sumo da mampsincha madura
o amarelo quente da mavúngua
o gosto da cuácua na boca
o feitiço misterioso de Nengué-ua-Suna.

Meus nomes puros dos tempos
de livres troncos de chanfuta umbila e mucarala
livres estradas de água
livres pomos tumefactos de sémen
livres xingombelas de mulheres e crianças
e xigubos de homens completamente livres!

Grito Nhanzilo, Eráti, Macequece
e o eco das micaias responde: Amaramba, Murrupula,
e nos nomes virgens eu renovo o seu mosto em Muanacamba
e sem medo um negro queima as cinzas e as penas de corvos de agoiro
não corvos sim manguavavas
no esconjuro milenário do nosso invencível Xicuembo!

E o som da xipalapala exprime
os caninos amarelos das quizumbas ainda
mordendo agudas glandes intumescidas de África
antes da circuncisão ébria dos tambores incandescentes
da nossa maior Lua Nova.





Reza, Maria

Suam no trabalho as curvadas bestas
E não são bestas
São homens, Maria!

Corre-se a pontapés os cães na fome dos ossos

E não são cães
São seres humanos, Maria!

Feras matam velhos, mulheres e crianças

E não são feras, são homens
E os velhos, as mulheres e as crianças
São os nossos pais
Nossas irmãs e nossos filhos, Maria!

Crias morrem à míngua de pão

Vermes na rua estendem a mão à caridade
E nem crias, nem vermes são
Mas aleijados meninos sem casas, Maria!

Do ódio e da guerra dos homens

Das mães e das filhas violadas
Das crianças mortas de anemia
E de todos os que apodrecem nos calabouços
Cresce no mundo o girassol da esperança

Ah! Maria,

Põe as mãos e reza
Pelos homens todos
E negros de toda a parte
Põe as mãos
E reza, Maria!

José Craveirinha






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