quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Meu País a fervilhar - Gary Clark Jr





                               African Guernica - Dumile Feni, 1967







Lá para o centro
cozinham-se frustrações e ódios
e os homens vivem na mata
à espera da guerra, nós
aguardamos a chegada
dum qualquer messias,
aguardamos o bom senso,
esperamos pelo despertar da razão
daqueles que desmandam


 A cidade está vazia
fantasmagórica,
vivemos hoje um dia a fingir,
vagamos cegos,
fomos cobaias
dentro dum barril de pólvora
esperavam-se convulsões,
que o povo se revoltasse,
sabiam que era possível
eles sabiam e povoaram a cidade
com bestas, premeditadamente
o fizeram, intimidando








Os pneus discreta e timidamente
iam ardendo
e o sururu foi inóquo,
ficou adiado,
os celulares emudeceram
devido a um vírus
chamado mordaça
e a expectativa esmoreceu


 Os parcos níqueis
com que o povo vive
diminuíram mais
e amanhã se verá
o milagre da multiplicação,
das dificuldades,
ficou um clima não resolvido,
os chapas desapareceram
antes da raiva fazer espumar
as bocas sedentas de justiça,
a acalmia é de tréguas








Ao sabor do improviso e do acaso
guiam conscientes
um povo para o abismo,
plenos de bestialidade
eles que podiam tudo resolver
não o fazem,
invocam sim os espíritos
sedentos de sangue,
levam-nos pela mão
para a boca do inferno



 A caminhar percorreram
os caminhos para casa,
acabrunhados, esfomeados
andaram quilómetros
sem razão, sem explicação
remoendo incompreensões e raivas,
o povo era a ressaca
do trabalho perdido,
mais pobres ainda que ontem,
de cara amarrada refletiam
a desilusão, o conformismo,
a derrota,
como se as ondas do mar
vagassem de terra para o oceano,
regressavam sem perceber
e sem justiça visível








Estas misturas de sentires
já se estenderam,
entraram pela pele da indignação
deste povo num só
sem compreender e sem saber
o cidadão cansa-se
fica a mercê desse espírito
que leva o inocente a cometer
atos irrefletidos


Plantaram friamente em nós
a semente da indignação
a semente do despeito,
a indesejável flor do ódio,
essa grassa já incontrolável,
sente-se no ar os ventos gelados
que antecedem o deflagrar
das tempestades há muito acumuladas









Post editado a 15/11/2019







2 comentários:

  1. Abraco solidario com os teu pensamentos e sentimentos.

    Cheers!

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  2. A mim resta torcer para que essa flor do ódio plantada no peito de um povo refém da covardia e inoperância dos seus dirigentes, não vingue e tudo acabe por se resolver de forma pacífica.

    Até quando isso? Até quando a humanidade se vangloriará dos seus feitos e progressos, se ainda há no mundo gentes tão judiadas, sofrendo pela esperteza e imbecilidade de quem só se importam em saciar a própria sede de riqueza e poder.

    Meu abraço de lamento, Tony.
    Que seja plantada a flor da paz e da justiça.

    Beijo.

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